No final de 2007 o Padrão Brasileiro de TV Digital (ISDB-Tb) entrou em operação no Brasil. Talvez você não tenha vivenciado esta fase, mas foi algo que gerou muitas expectativas em todos que estavam próximos deste mercado.

Neste período, eu estava no meio da graduação em Engenharia de Telecomunicações na UFF, em Niterói/RJ, e era bolsista de um laboratório que tinha projetos de pesquisa na área de TV Digital.

Eu e outros quatro colegas de curso, incentivados por professores, acreditávamos que existia ali uma oportunidade de negócio. Tínhamos conhecimento técnico e estávamos dentro de um dos principais centros de pesquisa sobre o tema no país.

Este foi o gatilho para o início da minha primeira startup, em 2008.

A nossa ideia de produto parece inovadora até hoje. Falarei dele mais adiante.

Pouco depois de termos a ideia, corremos para a abertura do CNPJ. O objetivo era a submissão do projeto para um edital para o CNPq. Ganhamos!

Com menos de dois meses de empresa tínhamos recursos para contratar oito pessoas para o desenvolvimento deste produto, que ainda era apenas uma ideia.

Este foi o primeiro grande “aplauso”. Ganhamos R$200k a fundo perdido em um edital de inovação. E mal tínhamos descrito a ideia. Ela só poderia ser realmente revolucionária e inovadora.

A loucura começou aí. Minha única experiência profissional era como estagiário da Oi. E as experiências dos meus sócios não eram muito diferentes. Do dia para a noite contratamos pessoas, algumas delas muito mais experientes que nós.

Com isso, começaram a surgir situações que não planejamos (apesar de hoje me parecerem óbvias). Onde estas pessoas trabalhariam? Usando quais computadores? Sentando em quais cadeiras? Não tínhamos dinheiro pra isso. O edital do CNPq contemplava apenas o pagamento de bolsas.

Neste momento exploramos o bom relacionamento que tínhamos na faculdade. Tanto com a incubadora, o departamento do curso, laboratórios, professores etc. Conseguimos muita coisa emprestada, inclusive uma sala que antes funcionava como depósito. Limpamos, pintamos e deixamos tudo pronto para uso. Também fizemos uns freelas de desenvolvimento de software, cabeamento de rede e configuração de servidores para comprar o que faltava, como móveis e ar condicionado.

Em pouco tempo estávamos com uma equipe de treze pessoas trabalhando em nosso produto. A maioria desenvolvedores de software. Afinal, basta desenvolver o produto e os clientes virão, não é mesmo? Acreditávamos nisso nesta época.

Eu era o menos técnico e assumi como CEO, começando a estudar sobre gestão de negócios. Era o PO do produto, cuidava da parte mais burocrática, escrevia os projetos para os editais, plano de negócio, realizava apresentação em eventos, competições etc.

Nesta época, startup não era uma palavra da moda. Nós nem conhecíamos. Só descobrimos o que era e passamos a usar o termo bem depois.

Trabalhamos duro no desenvolvimento do produto, que foi chamado de Targ.TV.

Colocamos muita energia neste negócio, mas não fizemos nenhuma validação de mercado. Isso nem passava pela nossa cabeça. Era um assunto que não sabíamos nem que existia.

A base de negócios, marketing e vendas na faculdade de engenharia era inexistente, com exceção de uma matéria optativa em que caí de paraquedas no segundo semestre de 2008 ou no primeiro de 2009, não tenho certeza. E aqui vale um parênteses. A ementa desta matéria era a prototipação do que viria a se tornar o Business Model Canvas, do Alex Osterwalder. Nesta ocasião eu conheci a metodologia através do Prof. Cláudio D’Ipolitto, antes mesmo do livro ser publicado. Ele é citado como colaborador no livro e eu me orgulho por ter sido cobaia.

Voltando ao Targ.TV. A proposta do produto era viabilizar a exibição de propaganda segmentada na TV. Algo que hoje conhecemos bem o funcionamento em praticamente todas as plataformas web, mas na época o nosso benchmark era apenas o Google.

Fazíamos a coleta de dados no set-top box (na época eram comuns os aparelhos separados, mas hoje estão integrados dentro das TVs) para definirmos o perfil do telespectador. E, com isso, viabilizarmos as emissoras a veicular propagandas direcionadas a públicos específicos e os anunciantes a terem mais assertividade e dados precisos de veiculação. Era segmentação + analytics voltado para a propaganda na TV. Aparentemente uma mega oportunidade.

Avançamos bastante no desenvolvimento do produto. Conseguimos ultrapassar muitas barreiras tecnológicas e validamos diversos protótipos.

> Leia também sobre os maiores desafios de inovação.

Era uma inovação clara para o mercado. Ouvíamos isso de todos que conversávamos.

Estes “aplausos” nos posicionavam cada vez mais no mundo da fake innovation.

Mas, cadê os clientes? O que as emissoras, os anunciantes e as agências pensavam sobre tudo isso? A gente não tinha a menor ideia.

À medida que avançávamos, estas perguntas começaram a nos perseguir.

Porém, continuávamos ganhando prêmios, aparecendo em reportagens e recebendo elogios dos gurus.

Mais “aplausos”

Isso só reforçava uma única certeza: o sucesso já estava garantido. E que na hora em que apresentássemos para qualquer emissora ou anunciante a contratação seria certa.

Mesmo com toda a cegueira, caminhamos lentamente para nos aproximarmos de nossos “futuros” clientes. Em julho de 2009, quase um ano após o início do desenvolvimento, enviei um e-mail para o então presidente da ESPM, em busca de algum tipo de parceria para nos aproximarmos do mercado publicitário.

Quase dois meses depois fomos contatados por um professor e pesquisador da ESPM, que atuava com novas mídias interativas e tinha interesse por TV Digital. Iniciamos ali uma relação que resultou em um projeto de pesquisa em conjunto, artigos publicados e diversas reuniões com emissoras, agências e anunciantes. O Prof. Vinícius Pereira e a ESPM abriram nossos olhos e muitas portas neste processo.

Fazendo um outro parêntese, o relacionamento que iniciamos com a ESPM levou a um convite para eu atuar como professor, assim que terminei a graduação, ficando lá por um ano e meio lecionando sobre inovação e novas mídias interativas. Esta aventura dá um texto à parte.

Voltando à startup.

Embora de forma muito tardia, enfim conversamos com os principais players do mercado.

Como previsto, ninguém teve interesse em nosso produto. Por motivos diversos. Leia a análise completa aqui.

Nossos recursos e motivações para um possível pivot se tornaram inexistentes. Todo o processo foi muito desgastante. Não conseguimos nos adaptar, o que levou ao encerramento da startup no final de 2010.

Apresentação na Campus Party Europa 2010

Ao longo de todo este tempo, do início ao final da startup, o que não faltavam eram elogios, aplausos, prêmios, reportagens, entrevistas, palestras em eventos, apresentações de cases etc. Tudo com a melhor das intenções, mas com feedbacks extremamente vazios. E, o principal, realizado por pessoas que se portavam como especialistas, investidores, empreendedores de sucesso e vários outros perfis, mas nenhum deles eram nossos potenciais clientes.

Os tapinhas nas costas nos alimentaram e nos cegaram por mais de dois anos.

Isso não foi a causa de fracasso da startup, mas foi o que nos tirou do foco e consumiu energias fundamentais.

Foi uma overdose de “aplausos”.

Após isso eu fiquei extremamente descrente de qualquer tipo de inovação aparentemente disruptiva que era destaque na mídia ou ganhava prêmios. O alerta de fake innovation ainda é acionado com frequência por aqui, já que sei bem como é fácil se alimentar de métricas de vaidade e ofuscar toda a realidade.

Um ponto relevante de destacar é que, omitindo algumas informações desta história, parece um caminho de sucesso. Existem várias métricas de vaidade que nos forçam a fugir do que importa de fato.

Então, jovens empreendedores, fiquem atentos e não se deixem iludir por elogios vazios, até mesmo quando vindos de aparentes “especialistas”.

Se a sua inovação não gera resultados, ela está apenas massageando seu ego. E, elogios vazios são fáceis de encontrar aos quilos.

No final do dia, a inovação precisa gerar nota fiscal, como diz o Silvio Meira.

PS.: Aparentemente a Globo começou a olhar pra este modelo de negócio recentemente, doze anos depois.

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Maurilio Alberone

Head da Platt

Fundou empresas como Edools (500 Startups), Bizstart, StartupBase (atualmente parte da ABStartups) e Peta5. É graduado em Engenharia de Telecomunicações pela UFF, com especializações em Modelagem de Negócios e Gestão de Produto. Atualmente lidera a Platt by Timenow.

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